domingo, 5 de dezembro de 2010

A chuva cobre as coisas de ruído


A chuva cobre as coisas de ruído
rompe o pó e dissolve as pegadas.
Todos os rastos e restos
vão-se com seu horror e seu tédio
empoçar outros olhos
entupir calhas mais além.
Por ora tudo se lava
em reflexo e ruído
e lama.
Cada ruído destila o próprio eco
abafando o som de cem mil gemidos
no tamborilar de um só lânguido chiado:
A chuva
cerra as janelas do mundo
e mofa suavemente as roupas.
A chuva sussurra o sono.
A chuva redime a memória.
A chuva
trouxe o sol.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pessach

A noite passou sobre as flores e os carros sua língua fresca
As janelas e as sarjetas todas espreitam
os muros ecoam o ruído inaudível da luz
e o asfalto insone espera.
As camas desfeitas, os sapatos e a pia celebram
a fagulha acendendo as retinas das coisas
o pó e o planeta se apercebem de si
cada instante em que o sol os toca.
O Amor é tão grande
que também os mortos e os óvulos rejubilam
enquanto o orvalho seca.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Antes

Quanta dor pode vir
da flor de plástico,
do tempero moderado,
dos legumes a vapor.

Temo a cor crua,
o bom-dia involuntário
Temo a moça nua no espelho
com os olhos quebrados
a boca prevendo o bocejo.

A terra por dentro viceja
coberta de pó e pedra
o verso monocorde
reverbera:
mariposa imóvel no quarto.